CONTO ULTIMO LANCE


ULTIMO LANCE


ULTIMO LANCE

No quintal, protegido pela sombra da parede da casa, Ronaldo brincava de balão com o irmão, com uma velha bola de couro, cozinhada no fogão da mãe, essa bola levara mais sorte que a bola de saco que ele mesmo tinha feito na semana passada e que foi confiscada pelo vigia da escola, deu a maior confusão, ele pegou o molho de chaves da escola e exigiu a devolução da bola, tiveram que chamar a mãe dele, La no serviço dela, em casa de família. Deu no que deu, ele quase foi expulso, pegou suspensão e deixou sua mãe insegura, pois o futuro era incerto para Ronaldo, a única porta de acesso que poderia salvar o filho da marginalidade e que dona Maria enxergou foi colocar o filho numa peneira de futebol para quem sabe entrar em um projeto social da prefeitura e ficar longe das ruas.
Quando Ronaldo e Rafael ficaram frente a frente, o professor da escolinha de futebol sentiu a tensão no ar e que havia entre os dois, sabia que tinha de ser imparcial para  escolher o candidato para a ultima vaga no time do projeto da prefeitura, mas não deixava de sentir uma certa de simpatia por Ronaldo, ele e sua família resistira contra todas as investidas da família de Rafael para desistir da competição ele mesmo sabia como o pai do garoto rico sendo membro de uma família de políticos tradicionais da cidade, jogava sujo. E isso tinha  se refletido na criação de Rafael que tava se tornando a cria do pai que durante o jogo daria provas disso.
Quando o professor apitou o inicio da partida, Rafael provocou o adversário:
__ Vou comer a sua irmã aquela gostozinha!
__ Fi de rapariga eu vou te matar, explodiu Ronaldo dando um murro na cara dele.
O professor entrou no meio, já meio nervoso.
__ Chega! Vai pro banco Ronaldo! Ele tentava proteger o garoto.
__ Porque  não expulsa logo ele, falou Rafael fingindo indignação pelo soco que tinha levado.
__ Você também vai querer mandar em mim? Indagou o treinador encontrando uma coragem nova.
Rafael começou a correr, com o jogo iniciado mais ainda olhando para o professor que tentava seguir o lance para avaliar os jogadores.
__ Meu pai é o vereador que coordena o projeto na prefeitura, ele é quem paga seu salário.
__ Vamos jogar, não quero ouvir mais isso, disse mais no fundo no fundo engolindo a provocação.
__ Não pode me expulsar
__ Mais você o provocou primeiro, não posso expulsar ele agora.
No banco de reserva Ronaldo tava fervendo de raiva,  a vontade que dava era de matar aquele fi duma egua mais de certa forma sentiu que o professor da escolinha o tinha poupado,poderia ter sido expulso, foi bom sair um pouco, mas suas chances haviam diminuído, agora o treinador iria ter menos tempo para avaliar suas jogadas quando ele entrasse em campo novamente. Na beira do campo um pequeno publico havia se formado, com familiares dos jogadores, um grupo de meninas fardadas com a farda de um colégio d cidade, elas sorriam meio afastadas, mas pareciam estarem ansiosas para serem notadas por alguns dos jogadores. Vendedores de laranja e Chopin e água mineral tinham se deslocado da praça principal da cidade que estava interditada por causa de uma reforma que não começava nunca, e eles aproveitando o evento enxergaram ali uma chance de melhorarem sua renda diária.
O vereador que assumira a pasta do projeto na câmera de vereadores também era esperado por um bando de assessores que mexiam nos aparelhos de celular ansioso pela chegada dele, algo dera errado, ele não iria atrasar hoje, não como de costume, era evidente que usaria o evento para se promover, ate mesmo as camisas dos jogadores exibiam a sigla partidária a qual ele era filiado e o numero do jogador impresso na camisa se confundia com outros números que não deviam esta ali, tudo fruto de uma obsessão dele alavancar sua candidatura para prefeito nas próximas eleições, naquele dia ate uma entrevista ele daria a uma radio telefonando ao vivo para o jornal de uma emissora,, o programa de maior audiência da cidade, muito mais por causa de baixarias e picuinhas políticas do que por um jornalismo serio e de qualidade.
Foi o dono da quitanda que mandou chamar Ronaldo, dizendo que tinha alguém no orelhão querendo falar com ele, mas foi só ele dizer alô que ouviu uma ameaça proferida do outro lado da linha:
__ Vou fazer com sua mãe o que fiz com seu cachorro! Depois desligou o telefone na cara, mas Ronaldo sabia muito bem quem tinha ligado, “como ele conseguiu esse numero” pensou. Aquilo era um inferno para quem tinha só 17anos! Vivia agora pensando também na mentira que havia contado para a mãe, tudo para protegê-la de uma realidade mais cruel ainda, mas andava com a consciência pesada por ter omitido a causa verdadeira da morte de seu cachorro de estimação, tudo isso passava como relâmpagos pela sua mente e ele despertava para a idade da razão de maneira angustiante.
Ele tava voltando da escola, todo orgulhoso porque tinha desenhado o Wolverine no verso da folha de matéria, nesse dia tinha emprestado varias folhas pros amigos fazerem prova e a aula tinha acabado mais cedo, passou pela locadora e jogou meia hora de mortal kombat, quando entrou na rua de sua casa, ele sabia que seu cachorro passaria pelo portão enferrujado da mureta de sua casa para encontra-lo abanando o rabo e enche-los de lambidas, naquele dia seria diferente? Estava embalado pela ansiedade da peneira d futebol que logo aconteceria na sua cidade e a luta da vida fazia sua mãe injetar nele sangue de adulto em miniatura, aquela vaga já era dele, os outros é que ainda não sabiam.
Mas parece que as leis da natureza começaram a se mover em câmera lenta, quando faltava apenas alguns centímetros de distancia entre ele e o afago do cão, um objeto passou zinindo pelo seu ouvido, arrancando uma mecha de cabelo da sua cabeça e atingindo o cachorro em plena corrida, que devido a velocidade acabou caindo inconscientemente para frente, depois de um uivo de dor, foi rolando em câmera lenta como um replay de um lance de futebol e parando aos pés de Ronaldo, que largou a mochila para amparar o melhor amigo nos braços.
__ Nãooo!...
Num gesto instintivo olhou para trás e viu Rafael segurando uma besta artesanal que já estava subindo na garupa da moto de um comparsa que deixara a moto ligada o tempo todo para facilitar a fuga, era uma arma de lançar parafuso, um tipo de arma que as gangues da cidade gostavam de fabricar. Ronaldo correu e alugou uma moto de um mototaxi do bairro para perseguir o rival pelas ruas da cidade, sua mãe ainda não havia voltado do serviço e ele não queria que ela soubesse daquela corrida maluca, mas sua irmã acabaria batendo com a língua nos dentes sobre a morte do cachorro, mas pensaria nisso depois, por enquanto queria se concentrar pra não perder de vista a moto do comparsa que carregava Rafael.
Manteve distancia razoável para que o outro não suspeitasse que estivesse sendo alcançado e para não se envolver em uma batida, seu medo também era ser pego sem habilitação pela policia rodoviária que não saia mais da cidade, pegando moto, mas parece que tinha dado sorte naquele dia, quem passava por ele em sentido contrario não fazia nenhum sinal de alerta e assim ele continuou a perseguição.
Rafael pulou da garupa na frente de uma casa bonita e grande, toda murada com cacos de vidro  no alto e portão de ferro, Ronaldo entendeu que ele morava ali, nesse instante ele perdeu o interesse no motoqueiro que seguiu viagem e resolveu ficar de tocaia escondido em uma esquina próxima para ver se o outro saia de casa de novo, desligou a moto pra poupar gasolina, o tanque tava na reserva, ficou esperando.
Não sabia dizer quanto tempo ficou ali, olhando o relógio impaciente, balançando o tanque da moto de um lado para outro pra sentir o nível de gasolina, as vezes inclinava o corpo pra frente e ensaiava um cochilo em cima do guidon, de braços cruzados e cabeça baixa, mas não podia perder o foco.
Finalmente quando o portão se moveu sob os trilhos e ele se preparou para da partida na moto, foi surpreendido com quem saiu La de dentro empurrando um bicicleta de varão baixo e uma sacola de plástico cheia de coisa pendurada na frente, sua mãe!
Ronaldo viu sua mãe seguir por outra rua, para sua sorte ele tinha ficado oculto na sombra da arvore da esquina e a chegada da noite possibilitou ele voltar pra casa sem ser notado por conhecidos, as luzes da cidade já estavam acesas e sua vista embaçada, chegou no bairro, devolveu a moto e pendurou o aluguel, tinha que encarar sua mãe por causa do atraso, mas dessa vez ele teria que ensaiar uma tristeza que não era a verdadeira. Ele entrou chorando, sua mãe se preparou pra perguntar, de cinturão na mão por onde ele andava, não queria Ronaldo andando com a turma errada, felizmente a irmã caçula atalhou:
__ Mãe o cachorro  dele morreu !
__ a tá! A mãe se conteve um pouco, deixando as lapadas pra depois e sorvendo um gole de suco de pacote em um copo de alumínio comprado no Canindé.
Quando Ronaldo foi pro quintal com sua irmã, Fernando já tava, era o filho da vizinha, meio gordinho, rosto sarnento e óculos fundo de garrafa. A mãe de Ronaldo ficou na porta da cozinha com o cotovelo apoiado na porta enquanto dona zefa a mãe do Fernando se acocorava fazendo uma dobra no vestido de xita com uma das mãos e estendendo a outra na direção do fogareiro para ascender o cigarro, botaram a chaleira do fogo e ficaram fumando, jogando conversa fora e olhando a arrumação dos meninos que tinham improvisado um velório e o enterro do cachorro.
Era difícil pra Ronaldo observar o vencedor estirado, sem vida em cima de um saco de estopa, uma mancha de sangue seco formado no saco e nos pelos do cachorro ao redor do ferimento.
__ Anda logo com isso banha de jegue!
__ Para de coisa doido, eu to te ajudando.

Os garotos do bairro gostavam de botar apelido nos outros, alguns estranhavam, mas havia certo conformismo com isso. Lene a irmã de Ronaldo assumiu as vezes de enfermeira passando o alicate pro Fernando e segurando u,a lamparina com querosene com a outra mão, a luz da lâmpada do terreiro da cozinha não chegava ate ali, estavam no truvo, Fernando começou a suar mais que os outros mas com algum esforço conseguiu arrancar o parafuso alojado no pescoço do cachorro.
Deram um tempo pra Ronaldo ficar dano voltas pelo fundo do quintal com o cachorro nos braços, soluçando sem parar, ate que Fernando e Lene terminaram de abrir uma cova improvisada atrás de um PE de caju, entre duas raízes, usando uma chibanca e um cavador. Começou a cair uma chuva fina na cidade, assim como caia lágrimas dos olhos do grupo de amigos, A mãe de Ronaldo brigou pra eles saírem do sereno e ficarem pelo menos no alpendre, Ronaldo foi o ultimo a sair do pé da cova, ascendeu um maço de velas, no tronco da raiz do caju, improvisando um abrigo para a luz, com uma bacia de alumínio velha que sua mãe usava para apanhar o cisco do quintal, e escreveu usando um canivete a data do nascimento e morte de cachorro, na casca do caule do pé de caju improvisando uma lapide.
No banco de reservas Ronaldo via suas chances de ser classificado diminuírem, alem de ter perdido a cabeça,, ele viu Felipe fazer um gol usando mai força bruta que talento e continuava fazendo faltas duras e intimidando os outros meninos, já era pra ter sido  punido a muito tempo, mas se valia do medo que o professor da escolinha sentia de seu pai.
De repente ele viu um alvoroço na beira do campo no ponto em que os babões do vereador tavam concentrados, chamaram o professor e tiveram uma conversa rápida, depois saíram com pressa e subiram  nos carros e motos adesivadas e com gasolina doada e seguiram pro diretório eleitoral. O professor voltou com uma coragem recobrada sabe-se lá de onde.
__Bota a outra camisa você vai jogar. Ronaldo levantou num salto quase sem acreditar..
__ O que... O que...O que foi que aconteceu professor ?
__ Parece que o mandato do vereador foi caçado pela justiça eleitoral.
Pelo que Ronaldo já entendia do mundo e através das conversas de sua mãe com os vizinhos, o professor era parente do atual prefeito e pelo jeito que empurrava agora ele para dentro do campo, mexendo no celular de cabeça baixa, logo outro grupo de babões estariam ao redor do campo.
Ronaldo entrou e  mudou a cara do jogo, era evidente o dom para liderar, ate mesmo o professor se surpreendeu quando seu novo pupilo dividiu a defesa em duas linhas e quando atacavam, os laterais abriam uma brecha pelo meio da defesa do adversário e Ronaldo penetrava como uma cunha de aço ate chegar cara AA cara com o goleiro. Numa dessas, Felipe já desesperado devido ao fato de que seu time tava desorganizado e só conseguia alguma vantagem através de sua liderança perniciosa fez uma falta na entrada da grande área, quase foi pênalti, mas era uma boa chance, pois o placar e o tempo estavam contra Ronaldo, na verdade era a ultima chance, o tempo da peneira estava se esgotando, Ronaldo se posicionou fazendo carinho na bola para cobrar a falta, e o mundo começou a se movimentar em câmara lenta mais uma vez, que nem no dia da morte do seu cachorro, parecia que estava dentro de um jogo transmitido pela TV, e no mundo da imaginação que nascia naquele momento ele se via como o BRANCO que iria cobrar a falta na copa do mundo de 94, no jogo entre Brasil e Holanda, olhou de lado e viu Felipe, já não muito certo da influencia que tinha dentro e fora do campo, do outro lado percebeu sua mãe chegar com a irmã mais nova, tinha levado ela pro trabalho e conseguido sair mais cedo devido à confusão na casa do político. “vou tirar à senhora daquela maldita casa mãe” pensou Ronaldo, o mundo estava lento mais a lembrança do que tinha acontecido com seu cachorro, a pobreza em que vivia com sua família e os sacrifícios da mãe passaram rápido pela mente, um novo palco começou a ser armado na frente do campo, mas mais parecia um circo.
Os acontecimentos dos últimos dias tinham minado muito da força de Ronaldo e as vezes ele ia pra peneira sem nem tomar café, tirava da boca pra da para a irmã e a sua mãe tirava da sua pra alimentar os dois quando a coisa apertava, o pai viajou pra são Paulo e nunca mais voltou. Ele sabia que precisava ser preciso no ultimo lance, por isso concentrou todas as suas forças no bico  da chuteira, os músculos das cochas estavam tensos, manchas de suor se espalhavam pela camisa e pingavam do cabelo, escorrendo e pingando pela ponta do nariz misturando-se com lagrimas do inicio da adolescência de um coração que já aprendia a ser valente.
Ele ficou tão aéreo que nem ouviu o apito do professor que teve de berrar pra ele cobrar a falta, ate mesmo seu mestre teve medo dele perder aquela oportunidade, então Ronaldo foi despertado do transe, olhou a posição do goleiro, parecendo escolher o canto e bateu, a bola foi lançada como uma bala de canhão, tão forte que o goleiro nem quis pular logo, pois parecia que iria pra fora devido à força do chute, mas a bola tocou de leve, quando a barreira se moveu, a bola raspou na cabeça de Ronaldo, o suficiente para começar a fazer uma curva e tirar do goleiro, a bola entrou estufando a rede branca e esmagando todos os gigantes que Ronaldo vinha enfrentando.
Quando o prefeito entrou em campo e apertou a mão de Ronaldo, os fleches dos celulares dispararam, o prefeito queria recuperar o prestigio que tinha perdido, ele tinha se enfraquecido com a súbita liderança do candidato da oposição.
  Com a ajuda de custo que a prefeitura da cidade oferecia  pra quem passasse naquela modalidade da peneira em parceria com um clube da capital, Ronaldo só conseguia ver a cor do dinheiro que ele iria usar pra comprar o primeiro milheiro de tijolos para construir uma casa pra sua mãe, para substituir a de taipa que cheia de rachaduras já estava quase caindo. Enquanto isso as peneiras de futebol iriam continuar, com a foto de Ronaldo em altdoor ao lado de algum jogador famoso a nível nacional provando que era possível chegar lá, ou para servir de isca para outros garotos.


Comentários

  1. Gostei muito. Conto regionalista. Quem cresceu em Altos nos anos 90 há de se identificar com a ambientação da história (Jose Gil Barbosa Terceiro).

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