A OUTRA MARGEM
Quero contar uma historia contada pelo meu pai, algo que aconteceu em Altos a muito tempo atrás em uma semana santa antiga, em uma época em que segundo meu pai, Deus ainda castigava as pessoas para servir de exemplo para as outras, ainda segundo ele, esse tempo passou, as pessoas tinham endurecido tanto o coração que Deus parou de castigar, pois isso não surtia mais efeito na vida das pessoas que continuavam a fazer coisas erradas.
A historia é a seguinte: moravam sozinhos uma mãe e seu filho solteiro, e era semana santa, quarta-feira maior pra ser mais exato. Ele sabia que de acordo com os ensinamentos de sua mãe e dos mais velhos em geral, deveria guardar a semana santa inteira sem fazer nenhuma extravagancia para não ser castigado.
No início da semana ele aguentou bem, parou de beber antes do domingo de ramos e só iria na roça de novo depois de sábado de aleluia, mas como tava de folga do serviço, seu passa tempo preferido falou mais alto.
__ mãe eu vou sair pra pescar no rio surubim.
A mãe parou o que tava fazendo na cozinha já com cara de advertência na direção do filho.
__ Meu filho se eu fosse você não iria, deixe a semana santa passar.
__ Mas mãe hoje ainda é quarta-feira. Na sexta-feira da paixão eu fico em casa.
Todas as tentativas da mãe foram em vão para convencer o filho a não sair de casa naquele dia, e ele acabou indo sozinho pois nenhum outro pescador conhecido teve coragem de ir com ele naquela pescaria.
Ele foi, com o cofo de palha nas costas, cheio de burundangas: lata de minhoca, linha de mão, faca pequena, caixa de fosforo, papel de embrulho pra fazer cigarro perronca e espantar os muruim, fumo, etc.
Botou o facão na cintura e a vara de anzol no ombro pra servir de suporte para o cofo e saiu.
Mas já na primeira encruzilhada sentiu um arrepio, seguiu em frente, mesmo sabendo que ainda faltava passar na frente do cemitério pra poder alcançar a beira do rio.
Chegou na beira do rio as seis horas, quase boca da noite, ele tinha que ser rápido pra pegar mais iscas, tirou do cofo uma garrafa de fundo pra dentro e colocou no raso do rio com um pouco de farinha dentro e assim pegar umas piabas.
A garrafa já estava quase cheia na agua transparente do rio, quando ele ouviu um assobio longe, muito longe, pensou que fosse gente e assobiou de volta em resposta, só pro brincadeira, esse foi mais um erro seu naquele dia.
Ele ouviu um assobio ao longe e de maneira precipitada respondeu. Quando saiu do pequeno pesqueiro de piabas, ele já sabia que não estava mais só. Algo tinha seguido o som do assobio e o tinha encontrado, era uma pantarma in visível, cheia de no pelas costas, que fez os pelos do seu corpo se eriçarem, mesmo assim seguiu em frente na direção de um trecho mais fundo do rio surubim pra pescar traíra com as varas de anzol e a linha de mão.
Encontrou o pesqueiro costumeiro e ficou esperando as trevas da noite engolfarem as margens do rio surubim, a lamparina movida a querosene gerava uma silhueta ao seu redor, que nem aquelas lagoas de luz ao redor da lua prometendo muita chuva no inferno, iluminava apenas um pequeno trecho da margem que ele usava como ponto de pesca, mas do meio do rio até a outra margem, era só escuridão e foi lá que a marmota começou.
Um barulho. Como se outro pescador tivesse escolhido a outra margem do rio para pescar, dava para ouvir o som da palha do cofo que todo pescador usa, batendo nos garranchos e espinhos da vareda que levava para a outra margem do rio.
Tentou se agarrar na possibilidade de ter encontrado um companheiro de pesca para servir de companhia um pro outro a noite toda, mas na verdade sua consciência fazia o medo crescer, ele sabia, no fundo, no fundo, que deveria ter ouvido sua mãe e não ter ido pescar na semana santa.
Pegou a lamparina e entrou no rio com água até na cintura tentando enxergar a outra banda e o outro pescador, mas nada, uma cortina de escuridão parecia cobrir o lugar e repelir a pequena chama da lamparina.
Voltou pro seco e ficou fazendo sinal com a lamparina, podia ser que o pescador distraído notasse sua presença e cada gesto seu foi ficando cada vez mais nervoso.
Mesmo notando que sua voz tremia, tentou gritar o nome de seus companheiros, podia ser alguém do seu bairro.
__ João da Ozita ! chico vieira ? gritava cada vez mais alto na esperança que o outro pescador fosse de carne e osso.
__ Antônio aleijado! vei Raimundo peba!
Nenhuma resposta vinha do outro lado, parecia que o pescador tava mais interessado em pegar um cozinhado, dava para ouvir ele usando um facão pra preparar a isca de casote, ele sabia o que tava fazendo.
De repente: Tibungo! o barulho da chumbada da linha do anzol batendo e afundando na água, ele tinha começado a pescaria e tinha o sangue bom pra peixe, começou a pegar uma traíra atrás da outra, mas as que caiam desaferrada e ficavam se batendo no seco, ele nunca se levantava para apanhar e colocar no cofo.
Lembrou de um trecho raso do rio, tomou coragem e resolveu peitar o outro pescador de frente, fosse quem fosse, chegando lá o que mais o assombrou foi ter encontrado o outro pesqueiro vazio, sob a luz da lamparina só viu um formigueiro e folhas de Maria mole boiando na água, nem toldada a agua tava, ele voltou para seu pesqueiro, sem querer voltar pra casa naquele escuro de meter dedo no oi, ele ia aguentar até o dia amanhecer.
Já tava até mais calmo, quando de repente, lá na outra margem, outro barulho, dessa vez diferente da batida da vara de anzol na água:  chuaaa.. chuaaa.., reconheceu aquele som, uma tarrafa aberta caindo na água, o fi de rapariga queria espantar os peixe de quem usava o anzol ! A realidade parecia alterada naquele lugar, um pé de tucum cheio de espinho caiu por cima da vareda que levava para o rio, quando ele foi olhar mais de perto, o pé de tucum tava no mesmo lugar, jogaram uma pedra nas costas dele e ele teve que aguentar a visagem até perto do dia amanhecer, quando já se preparava para ir embora, olhou pra cabeceira do rio e viu uma bacia de alumínio que parecia está toda preenchida por um grande lençol vermelho em forma de rudia, vinha sido trazida pela correnteza do rio para cair la na frente, em uma camboa d agua, mas antes ela tinha que passar pelo pesqueiro dele.
Ficou paralisado com a visagem e esperou a bacia se aproximar, não resistiu e olhou pra dentro quando a bacia passou por ele sendo levada pelas aguas, largou as vara de anzol e o cofo e saiu correndo na direção de casa.

Mas tarde ele contaria pra mãe que tinha visto uma criança bem no meio daquela trouxa de pano vermelho que foi levada pelo rio. Era o menino Jesus.

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