O HOMEM MORTO
Ele era um anjo que observava a humanidade,
não podia interferir de maneira direta no destino das pessoas, mas aquilo
andava tirando seu sossego. Por que ele não podia salvar se abstendo de tudo,
vivendo na neutralidade. Tinha visto de tudo: Balas perdidas matando crianças,
famílias inteiras ceifadas em capotamentos de carros, adolescentes cheios de
sonhos, com uma vida inteira pela frente, sendo diagnosticados com CA. Diante
de tantos fatos assim, resolveu fazer um experimento, pediu permissão para os
arcanjos superiores e seguiu em frente, apesar de algumas ressalvas de quer
talvez ele fosse se frustrar, mas ele tinha que tentar tirar aquilo a limpo.
Ele decidiu ressuscitar uma pessoa que morresse de repente, que não tivesse
tempo suficiente de realizar seus sonhos e dá uma segunda chance para ela, pra
ver como reagiria diante da nova oportunidade de viver.
Encontrou o que procurava em um banco de
praça com trajes de executivo e cabelos grisalhos com uma maleta ao lado do
banco em cima da grama. Uma multidão já começava a se formar. Ele tentará
afrouxar o nó da gravata quando o peito começou a dá os primeiros sinais de
infarto mas não houve tempo suficiente, morreu segurando a gravata com uma das
mãos, criando uma cena bizarra como se quisesse se enforcar com a peça. Ali
estava um caso que reunia muitas possibilidades em uma situação só. Pensou o
anjo. Observou melhor e notou uma aliança no dedo. Ótimo. Pensou. Tem esposa,
talvez filhos, com uma vida assim tão promissora ele irá cair de joelhos diante
da nova oportunidade que irá receber.
O anjo invisível colocou a mão no peito
do homem e disparou uma descarga elétrica, uma centelha divina e ele acordou
novamente para a vida, assombrando as pessoas ao redor que já contavam com o
óbito e tiveram fotos para enviarem pelo zap, ele piscou, olhando pros lados, parecia
tentar pôr os pensamentos em ordem, ficou sentado por mais alguns segundos com
a respiração ofegante e cara de tristeza, aceitou um copo com agua e outras
pequenas ajudas mas depois tratou de se livrar da legião de bom samaritanos
dizendo que estava tudo bem, que tinha sido só um mal estar repentino, que era
melhor ele ir para o trabalho, começou a andar e a mexer no celular dizendo que
ligaria pra esposa. “Até que foi fácil dispensar o motorista naquela manhã,
dizendo que precisava caminhar um pouco, iria fazer o resto do percurso a pé,
que ele poderia dá umas voltas por ai, sem precisar se preocupar”. “Filho da
puta de destino”. Estava de volta. Começou a caminhar na calçada ao lado do
asfalto negro da BR 343, e para o anjo, isso reforçava o fato de que seu
escritório ficaria perto. Mas o homem não parava e nem dava sinais de que
chegaria logo onde trabalhava, abriu a pasta e começou a examinar os papeis,
fazendo pouco caso dos transeuntes com os quais ele acabava esbarrando, folhas
de papel foram caindo pelo chão com letras grandes e vermelhas em destaque:
“falência”, por fim o executivo largou a maleta, e aproveitando o peso e a
velocidade de um ônibus interestadual que passava pela AV. Frei Serafim, se
atirou no meio da pista. Pego de surpresa e sem tempo de reagir o motorista só
conseguiu para alguns metros a frente, uma mancha vermelha começou a escorrer
debaixo do carro tingindo o asfalto negro.
O anjo que acompanhava tudo aquilo,
mesmo na forma invisível, sentiu nojo e asco, se existisse uma forma ainda mais
anônima de ficar entre humanos além da invisibilidade, ele queria, por causa da
vergonha que sentia. Por fim manifestou asas e alçou voo, sem olhar para baixo.
Iria passar um bom tempo no paraíso, cumprindo penitencia e dando explicações
da cagada em que tinha se metido, de agora em diante iria pensar duas vezes
antes de se meter em assuntos humanos.
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