A GAROTA DO CORAÇÃO PARTIDO
A GAROTA DO CORAÇÃO PARTIDO
I
Ela usava vestido vermelho curto e
arrancava dinheiro dos homens em cada gota de suor que derramava, mas sempre
tentou se reencontrar em cada lagrima que nascia com o dia seguinte, era seu
jeito de garimpar felicidade naquela cidade grande, era o jeito de se perder de
si mesmo, nos braços dos outros, cobrando aluguel para que os outros sentissem
seu perfume, tatuava seu corpo na esperança de tentar compor o mapa do seu
destino, um labirinto de idas e vindas na casa dos pais no interior. Cada noite
um vestido diferente, mas sempre voltava pro vermelho, era um sinal, mas os
outros sempre avançavam, atropelando etapas e queimando pneus em troca de sua
companhia. Tinha horror que o tempo passasse e se torna-se mais uma dama de
vermelho, por enquanto era garota e queria congelar o tempo assim, mas sentia o
horror que vinha em forma de tic-tac, tinha que escapar do avanço do futuro,
mas era instável seu paraíso artificial, acordava suando frio depois de mais um
pesadelo, fantasma do passado que abusavam do seu corpo e não pagavam, era ela
quem pagava o preço de não saber quem era. Precisava parar com isso, mas não
sabia como, dinheiro não traz felicidade, aprendia aquilo de maneira dolorosa nos corpos dos amigos que sucumbiam nos
programas, no cachimbo, nas altas velocidades que a vida na cidade grande
provocava. Garota interrompida, debaixo da ponte, no escuro, longe do radar de
qualquer príncipe encantado, infância ceifada, com uma parede de batom. Não
sabia em quem confiar, sentia-se sozinha, na altura da ponte, no vento da praça
as 3 da madrugada, o frio afastava até os clientes, ela era uma diversão que
podia esperar, sentiu raiva do mundo, nojo de si mesmo, embarcou num barco
furado de amigas que já não estavam ali pra dizer que era tudo um sonho lindo,
pois já tinham se afogado primeiro, a seringa ia aumentando as cicatrizes da
alma, não tinham paz no cachimbo, cada gota de suor que perdia levava um pouco
da sua essência de pessoa, parecia torna-se invisível pouco a pouco no meio da
multidão, o mundo era surdo para ela, tinham construído um muro de contenção
por causa da morte que carregava no sangue, seu perfil de watzap era um retrato
de uma pessoa que se perdeu nos meandros do passado, sem diários íntimos, sem
registros, sem noites de natal ou viradas de ano com a família, não podia
voltar pra casa, seu teto era a ponte, chorava com pena de si mesmo, pelo
caminho que tinha escolhido por conta própria e agora não tinha mais volta, só
uma pessoa no mundo ousaria lembrar dela, mas pouco a pouco matou essa esperança
também, ele não arriscaria tanto, pensou ela...
II
Acordou com gosto de cigarro na boca,
mas poderia ser pior, ele sabia. A cinza queimou um pedaço de pele, quando ele
acendeu o ultimo cigarro do maço, até ali a fênix estava presente. Tinha
comprado em um botequim barato, onde tudo era barato, o cigarro, a bebida, as mulheres.
A vida era barata naquele lugar, dependendo da briga em que você se envolvesse
e com quem andasse.
Foi para o submundo a procura dela,
era como descer ao inferno, vagando na noite, de bar em bar, cruzando com drogados,
garotas e calçadas fazendo programas, e o risco de sofrer abordagens violentas
da polícia por ser considerado suspeito, afinal eles são os guardiões da lei.
Amiga de infância e primeira
namorada, garota do coração partido que as rasteiras do destino transformaram
em prostituta. Depois de muito tempo encontrou seu primeiro amor, dando a
milésima foda.
Esperou a clientela minguar por causa
do sereno que caia, o viaduto era seu escritório, próximo a um sinal fechado.
Ela não o reconheceu de imediato, olhando-o de cima a baixo, achando que era um
cliente que chegara a pé, ficou ponderando se ele tinha dinheiro para pagar o
programa já que não tinha chegado de carro. Ela já se preparava para acenar
para o cafetão que também dava um de segurança das garotas em um carro afastado
quando ele começou a falar, ela prestou mais atenção a fisionomia do seu rosto
e acabou reconhecendo, teve um surto de lagrimas, abraços e beijos.
Depois da negociata com o cafetão,
conseguiram ficar a sós, conversando no banco da praça, antigas caricias começaram
a irromper pelos poros, ele já estava noivo, prestes a se casar, precisou vê-la
mais uma vez, conversaram depois do amor, dividindo o cigarro e o leito, será
que a vida de ambos poderia ter sido diferente?
__Por que você me abandonou? ela
falou com um olhar triste, estirada na cama, fitando o teto e a rotação fraca
do ventilador.
__Você me abandonou primeiro. Disse,
e levantou-se para vestir a calça.
__Eu sei que você tem raiva por eu
ter te trocado por outro, mas dava pra sentir que você me amava, quando eu
quebrei a cara pela primeira vez, achei que você viesse me procurar.
__Eu gostava muito e de certa forma
ainda gosto. Consultou as horas no celular, deitou-se novamente perto dela.
Somos escravos do horário do almoço. Pensou.
__Na época fui um bobo, quis mostrar
que era homem de verdade e dá uma de orgulho ferido.
__Eu ainda quis voltar pra nossa
cidade e te procurar, mas fiquei com[I1]
peso de consciência por ter te magoado muito, parece ridículo né? Uma
prostituta com peso de consciência.
__Pare com isso, está sendo dura
consigo mesma.
De certa forma ele seguia por uma via
ridícula também, empreguinho de escritório, entrincheirado atrás de uma mesa
até se aposentar, prestes a se tornar pai de família bem comportado, potencial
candidato a homem do ano e organizador de campanhas tipo “salvem as baleias”
Foi só quando ela pediu que ele se
levantasse novamente para pegar mais cigarro na pequena cômoda do quarto de
pensão que ela vivia pagando aluguel, é que sentiu que suas vidas tinham se
tornado incompatíveis, apesar do forte laço que unia os dois.
Ele abriu a gaveta da cômoda,
esperando encontrar somente cigarros e afinal eles estavam lá, mas não estavam
sozinhos, tinha um punhado de notas, e um revólver, calibre 32. Daquele dia em
diante nunca mais ele a procurou.
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