LANTERNA DOS AFOGADOS
Cada trago de bebida servia para aniquilar um neurônio
diferente e logo no inicio da noite ele percebeu que teria um longo trabalho
pela frente.
Tinha sede, mas estava usando a bebida errada e não se dava
conta disso. Parecia querer transformar seu coração em motor e fazê-lo
funcionar com cada gota de álcool que poluía seu sangue e quando o garçom
pensava que ele iria pedir a saideira, ele dizia:
__Bota mais uma! Amigo das noites e madrugadas, andava agora
sozinho. Pare ele cada noite era sem fim. Queria ficar escondido na escuridão,
ofuscado pelas luzes de neon, pois o brilho do sol que trazia o dia seguinte o
empurrava em uma direção que ele não queria ir, o colocava em rota de colisão
com lembranças e memorias. Os raros momentos de lucidez tiravam ele do transe
apenas para alfinetarem: __Ela não está te esperando idiota !
Era verdade! Uma deusa tinha surgido em seu mundo, o
convidando para construir uma vida nova, um universo no qual a música das
esferas seria blues. Um mundo concebido entre quatro paredes, onde o amor
poderia acontecer a qualquer hora.
Os hinos de louvor foram carimbados com um “para sempre”, o flagelo
arrancava confissões de prazer. Mas como todo ser onipotente ela precisou se
tornar invisível da vida dele, dizendo que iria voltar, ele teve que esperar
fazendo a celebração do vinho. A fumaça do cigarro só servia pra digitar a
senha em forma de nome de mulher de uma conta que nunca mais iria fechar, uma dívida
aberta no peito, um gargalo negro que sugava seu castelo de sonhos, fragmentos
de coração partido e faturas de cartão de créditos das melhores grifes da
cidade.
Andou de mãos dadas com uma estrela, ignorando o raio de
destruição que ela gerava. Fez sacrifícios, pois ela era agora sua nova
religião, sem saber que os deuses tem seus caprichos e na maioria das vezes não
estão nem ai para os sofrimentos de um homem. Apenas deixam um rastro de
destruição em cada neurônio, um quebra-cabeça de imagens de calcinhas sendo
tiradas, blasfêmias proferidas juntas com oração, chupadas com cuspidas. O
sagrado e o profano, o inferno e o paraíso sob duas pernas e coxas grossas, mas
agora ele não tinha nem uma coisa nem outra, só o vazio. A casa vazia, copos
vazios, a alma vazia.
Ele desabafava no bar, uma garrafa para cada assunto.
Esperou e a deusa não voltou, só mandou um mensageiro, o beijo da morte.
Quando ele chegou no fundo do poço, ironicamente começou a
ver as coisas por outro ângulo. Pensou ter encontrado uma deusa, mas na verdade
tinha mesmo era vendido a alma ao diabo a preço de banana.
__ Bota mais uma!
Estava em um limbo alcoólico com os rótulos das garrafas
desfilando diante se seus olhos, “remédio para a tristeza”, “cura para depressão”.
Mas ele derramava o liquido no vácuo, um lugar que era ocupado antes pela sua
alma, e que agora devia servir de troféu na parede de alguém.
__ Puta que pariu Marcelo! sai dessa cara!
__Pra você é fácil falar, tua mulher é louca por ti.
__É mas antes dela, eu sofri muito.
Miguel, amigo de bebedeira, de Marcelo tentava amenizar a
situação, mas mesmo sendo um frequentador assíduo do bar “Lanterna dos
Afogados”, levava uma vida mais estável com uma parceira fixa.
__ Você é meu parceiro, amigo, quase um anjo da guarda.
__Para com isso, como amigo é meu dever te ajudar.
Marcelo teve outra crise de choro, derrubando
involuntariamente algumas garrafas vazias que estavam sendo alojadas em baixo
da mesa, conforme a noite de sexta-feira avançava.
__ Eu não me conformo, sabe, ele chorava como uma criança. __eu
fiz tudo por ela.
Nas outras mesas já começava a se inflamar uma revolta
dos espadas, por causa de Marcelo.
__Cala boca, filho da puta! tu Está envergonhando a classe.
A muito custo o amigo arrastou ele pra casa, não conseguia
interromper o fluxo de pensamento durante a volta pra casa. Ele viajava em seu
corpo, cada vez que a memória ressuscitava uma lembrança, o que era um milagre,
dado o nível deturpado de sua mente, entorpecido por álcool e solidão.
Analisava melhor agora as palavras sarcásticas que ela
soltava durante o orgasmo fingido. Ambos caíram em uma armadilha moderna e se
tornaram escravos de uma ilusão. Estavam sempre buscando a estocada perfeita, a
troca de par perfeita, os amantes perfeitos. Até que ambos começaram a machucar
com a ausência, só que doía mais nele.
A obsessão tornou-se sagrada no mundo de ambos, e cada vez
que ela voltava aumentava o ritmo da escravidão que cada entranha merecia, pois
ele ainda era o pórtico no qual ela se atava para não sucumbir no niilismo
sexual e profano cada vez mais fora de controle em sua vida.
Em outro ponto da cidade uma mulher tenta voltar para casa.
Mais uma vez. O que ela fez não tinha perdão e agora já era hora de voltar.
Vontade de contar. Vontade de chorar. Matar. Morrer.
Adiou o retorno perambulando na beira da praia. Conheceu a
se mesmo, sabendo agora o que era capaz de fazer. A sua liberdade criava novas
correntes.
Lavou seu corpo, mas não tirou a fuligem da alma. Passou em
frente a um templo com o pastor berrando:
__ Eu tenho a chave para sua alma entrar no céu!
Será que ela ainda merecia um lugar assim? Por outro lado já
conhecia o inferno do casamento, bem, não iria mudar muita coisa assim.
Voltou para casa usando a máscara da culpa e foi recebida
pela máscara da vergonha.
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