A MULETA DO DIABO

UMA MULETA PARA O DIABO
Maria foi recebida na porta do quarto por um pigarro de garganta tuberculosa vindo do fundo de uma rede de punhos puídos.Chovia lá fora.A luz dos relâmpagos se infiltrava pelas brechas das folhas de madeira que compunham a janela, o fogo da lamparina era uma pequena chama lutando em cima de um tamborete de madeira encostado na parede,liberando uma pequena nuvem de fumaça,enegrecendo a parede do quarto e atingida constantemente pelas pancadas de vento vindas com a tempestade e que entravam pelas aberturas entre o final da parede de taipa e as palhas do teto.Havia pontos de infiltração em vários pontos do teto, a força da pancada de vento na chuva sempre provocava novas goteiras.
__Eu mandei te chamar porque vou morrer.
Seu João e dona Maria foram casados a vida inteira,mas os últimos anos de casamento viveram de aparência,tiveram uma briga feia e depois disso nunca mais se falaram.Dividiam o mesmo teto só para não desamparar os filhos pelo mundo mas eram intrigados debaixo do mesmo teto.Quando ele estava em casa,na sala ou em algum outro cômodo,sua mulher se  transformava em uma voz sem rosto vinda da cozinha:
__O almoço ta na mesa.

Isso durou muitos anos. Já avançado na idade,João sofreu derrame, ficou com uma banda morta e precisava usar uma muleta como ponto de apoio para se locomover pela casa e quintal, mas por fim ficou prostado numa rede e não conseguia mais se levantar.
___O quer você quer comigo?os dois trocaram olhares cheios de ressentimentos e tristeza.Uma pequena aglomeração de membros da família se formou em torno da rede quando perceberam que os dois iriam deixar o orgulho de lado para uma ultima conversa.Um a um,todos os membros da família começaram a ouvir pedidos de perdão do moribundo que arfava a respiração entre uma fala e outra.Suas irmãs,seus filhos e netos e até vizinhos, todos foram perdoando, quando percebeu que iria ser a ultima,Maria achou até melhor,pois iria desfazer muitos mal entendidos com as irmãs do João que não gostavam dela e ficavam falando mal dela, dizendo que ela não cuidava do irmão delas direito quando ele ficou  doente.E seu João por sua vez queria ganhar o perdão dela, para não entrar no outro mundo com mal-querencia com ninguém, se não sua alma iria sofrer.
__Tu me perdoa Maria ?
__Eu te perdôo João!
__Eu quero repartir minha herança com vocês.Divida nosso pedaço de chão em sete lotes,entre nossos filhos,você pode ficar com o jumento pra trazer manaiba da roça nos tempos da farinhada ou vender pra comprar de comida,a bicicleta e a espingarda com patuá só venda se for pra pessoa da família e essa muleta que durante muitos anos me serviu e foi minha companheira.Ele disse apontando para um canto de parede,eu deixo para o diabo.
Maria era mulher destemida e deu uma resposta a altura:
___ Pois não vai ser aqui que ele vai vim receber não!

Esperou o ultimo suspiro do marido para pegar a muleta e ganhar o mundo com a muleta, nem foi pela estrada,saiu pelo terreiro da cozinha,atravessou o lance de cerca caída com arames enferrujados,enterrados no chão e se emprenhou no mato,apesar de ser noite,a chuva tinha minguado bastante ficando reduzida ao sereno,a lua voltava a aparecer acessa no céu novamente junta com o cruzeiro do sul,as três marias e o sete estrelas,estando munida apenas de um candeeiro,uma faca de raspar mandioca no cois da saia e a muleta maldita.Subiu a serra.Não sentia medo de mais nada nessa vida de tantos sofrimentos.Quando chegou no topo da serra,arremessou a muleta pra dentro do buqueirão,lá em baixo,que se abria como uma garganta diabólica feita de pedra,balseiros de galhos secos retorcidos,espinhos,foiços e todo tipo de insetos.Voltou para casa.

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