LOBOS CANINOS
LOBOS CANINOS
Com dificuldade a carroça vencia
o atoleiro a custa da força do cavalo com seus pés fincados no lamaçal, a carga
que trazia além de seu condutor era um homem e seu cão vindos da cidade para
aquele fim de mundo. Os cães acordaram no alpendre contemplando o cachorro da
cidade visivelmente mimado se enroscando entre as pernas do dono. Era a primeira
vez que chegava ali.
No dia seguinte os cachorros
foram encontrar o novato esquentando o frio no burrai das trempes, levou varias
mordidas. Os cachorros selvagens tinham nomes peculiares.
__ quieta fantasma, guarda essa
fúria pros caititus!
E la se foram caçar porcos do
mato, fantasma, rex, a cachorra bolacha e outros cachorros valente, incluindo
os do seu Erasmo, levaram o vira-lata da cidade só por compaixão. Rex todo
rajado parecia ser o chefe do bando, ele era o mais feroz, homens e animais
sabiam disso.
Já estavam no meio da caçada,
alguns porcos estrangulados, pebas e tatus acuados em buracos, beco sem saída,
quase na hora de voltar pra casa, rex percebeu que podia fazer mais uma vitima,
seu focinho farejava sangue, acunhou na direção de um buraco em um cupinzeiro
sem a permissão do dono, que ficou assistindo a distancia, se aproximou demais
para morder, um braço peludo com uma unha cumprida alcançou o pescoço de Rex,
ele foi apresentado a dor, os outros caçadores começaram a ouvir a lamuria e se
reuniram, de longe era possível avistar quem estava atacando, Mambira, mãos com
unhas enormes, garras, braços resistentes, mais forte que o braço de um homem.
O dono de rex ainda esboçou uma mira com a espingarda, mas impossível ter um
alvo fixo, o bicho sacolejava o cão pra cima e pra baixo, fisgado no couro do
pescoço, dor e asfixia misturados.
Fizeram sinal com a boca pro
outros cachorros , mas ainda estavam muito distantes distraídos com preás e
cordonizes, iam demora pra alcançarem o
ponto onde estavam, era questão de segundos e Rex iria desfalecer. De repente
quem surgiu do meio de uma mancanbira todo sujo de sangue e cravejado de
espinhos Foi o cão medroso, apesar de nunca ter brigado, seu instinto selvagem
e ancestral brotou ali pela primeira vez, cravou os dentes no braço do mambira,
fazendo perder um pouco a resistência, e rex num ultimo esforço deu um
solavanco pra trás se libertando.
Os caçadores usaram suas
bate-buchas pra terminar o serviço. Rapidamente um circulo de homens e
cachorros se formou ao redor dos dois cães, apartir daquele dia o cão mimado
ganhou respeito dentro do bando e foi batizado como relâmpago, rex teve de
engolir seu orgulho, ficou frente a frente com relâmpago, focinho com focinho
se tocando em sinal de respeito, e relâmpago não ficou de fora de mais nenhuma
caçada.
Com o passar do tempo relâmpago
percebeu que os cachorros sempre estranhavam um velho que morava na localidade,
viviam rosnando para ele, mostrando os dentes sob o olhar apreensivo dos donos,
aos poucos eles foi descobrindo, ouvindo os homens conversarem:
__ Não gosto desse velho, mas não
vou deixar os cachorros irem pra cima dele, pois foi assim que o fantasma ganhou
o nome e as cicatrizes, mordeu o velho atreição, e ele atirou com a bate-bucha
no cachorro, quase mata, os caroços de chumbo passaram variando pelo corpo,
arrancando tufos de cabelos e pedaços de pele, deixando rastros vermelhos pelo
corpo. De fato era evidente a rivalidade entre os dois, e fantasma parece que
passou isso pro outros cachorros, ate relâmpago sentia arrepios quando via o
homem, um odor perigoso se espalhava pelo ar quando ele estava por perto.
Ate que começaram os ataques aos
galinheiros da região, quando o dia amanhecia, encontravam restos de galinhas,
pintos novos, tudo sujo de vomito e o velho sempre botando culpa nos cachorros.
Uma noite a cachorra bolacha saiu sozinha com seu dono
pra uma pescaria no rio surubim, já passava da meia noite, e ela sempre
guardando as costas do dono, quando começou a farejar algo estranho no ar,
começou a rosnar baixinho, mostrando os dentes aos poucos na direção de uns pés
de carnaúba que ficava na margem do rio, algo se movia por trás das folhagens,
sempre fungando, seu dono tratou de ficar mais esperto, de lamparina em uma das
mãos, o facão na outra partiu pra cima gritando:
___ Apareça seja la o que for ! Mas o bicho recuou,
correu na direção da casa do velho, depois seguiu correndo pela estrada de areia,
com outros cachorros correndo atrás,
bolacha resolveu proteger o dono; os latidos se perderam na escuridão da
noite, mas passado um bom pedaço, la vem o tendel de novo, barulho de
perseguição pela estrada ate chegar próximo a casa do velho e desaparecer.
Bolacha e seu dono agora compreenderam do que se tratava. Mas o destino tinha
reservado um golpe para o melhor amigo do homem!
Dessa noite em diante bolacha queria atacar o velho a
todo instante, e ele soube usar isso a seu favor: __ Luiz tua cachorra pegou
raiva, enlouqueceu, ta atacando os pinto la de casa e como era regra
culturalmente estabelecida nesses casos qualquer um podia matar um cachorro
doido, ela tinha de ser sacrificada.
___ Vim pedir permissão pra matar ela de espingarda. Luiz
concedeu, virou as costas pro vizinho, entrou porta adentro e foi chorar no
terreiro da cozinha. O tempo parou. Os cachorros ficaram assuntando o tempo,
era por volta de seis horas da tarde, uma cigarra cantou e a espoleta trincou,
um cheiro de pólvora empestou a redondeza.
Não era mais segredo agora que o velho virava lobisomem e
a medida que a próxima lua cheia se aproximava os moradores se organizavam pra matá-lo.
Ate mesmo os cachorros aguardavam o confronto com expectativa.
Finalmente a grande noite chegou, lua cheia, noite clara
como um dia, os caçadores levaram os cachorros na direção da casa do velho que
ficava bastante afastada das demais, pra tentar acuá-lo, chegando la nem sinal
do bicho, pouco depois ouviram barulhos na direção do vilarejo, o bicho tinha
ludibriado eles e agora atacava as casas, galinheiros, chiqueiros, tudo que
encontrasse pela frente, os cachorros foram mais rápidos nessa volta
desesperada, afinal mulheres e crianças tinham ficado sem defesas dentro de
casa. Até que encontraram o lobisomem no pé dum morro em cima dum teso duro,
não tinha mais volta, iria ter briga de cachorro grande, pouco a pouco os
cachorros foram ficando em semi-circulo diante do lobo gigante,mas eles agora
também eram lobos uivando pra lua, as narinas exalando a neblina branca e fria
da noite, Rex e Relâmpago apesar de estarem no auge da fúria olhavam pro lados
latindo como se caçassem bolacha no meio dos outros cachorros, era fúria
misturada com saudade e de repente a luta explodiu, os cachorros fizeram um
ataque combinado avançando de uma vez pra cima do lobisomem, que durante alguns
segundos ficou imóvel no solo com aquela massa de dentes por cima, mas durou
pouco, quando se ergueu mostrando toda a sua força a maiorias dos cães foi
arremessada pra longe e pro alto, de um só golpe tinha minado a resistência,
mas ninguém iria desistir naquela noite, os cachorros fizeram outra investida.
Por mais que tentassem os cães
só conseguiam infligir arranhões no couro da fera, que por sua vez não erava um
golpe nem mordida, cada soco que dava derrubava um cachorro causando
lesões,pouco a pouco os cachorros iam metendo o rabo entre as pernas e saiam gunindo
de dor, Só Rex e Relâmpago persistiam com mais resistência, já iam ficando com
o corpo banhado de sangue de tanto serem acertados, até que Rex subiu o
barranco pra tentar ganhar atitude e atacar de cima, mas em pleno vôo o
lobisomem olhou pra cima e aplicou um duro golpe na barriga de Rex com uma de
suas garras fazendo-o cair longe, do
ponto onde estava Relâmpago viu Rex tentar se levantar gemendo de dor e
não conseguir, sua barriga estava aberta, as vísceras expostas e o lobisomem se
dirigindo na direção dele, relâmpago teve que entrar no meio dois pra continuar
a luta. Nesse momento os primeiros tiros acertaram a fera fazendo-a recuar,
quando o cachorro tentou atacar pela diagonal levou um pisão em uma das patas,
barulho de osso quebrado foi ouvido, o lobisomem agora iria atacar os homens,
choveu caroço de chumbo pra cima dele, ia ficando debilitado mas tornava se
erguer e apesar de bem mais lento agora se dirigia na direção dos caçadores,
quando pulou no ar foi surprendido por um balaço diferente que o varou no meio
deixando um rombo, Luiz o dono da cachorra bolacha saiu da penumbra com o cano
da espingarda ainda fumegando.
__Não soube não velho, eu
benzi a boca da minha espingarda antes de carregá-la e ela é de cartucho mais
rápida de carregar, fabricada em juazeiro do meu padim ciço Romão, é uma
nazarina.
Tiveram que fazer
um curativo improvisado na barriga de rex pro fato não cair pra fora;quando
amanheceu o dia ele foi pra cidade, na certa ia ser operado por um
veterinário,Relâmpago ficou, enfaixaram sua pata com talos de coco, e ele ficou
na comunidade, assumiu o bando enquanto Rex não voltasse. O cadáver do velho
foi queimado junto com sua casa de taipa.
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