ANTONIO
ALEIJADO
No bairro
carrasco onde passei minha infância existia um cadeirante que vivia se metendo
em confusão. Sua cadeira de rodas era feita de maneira quase artesenal, as
partes foram soldadas em uma dessas oficinas de bicicletas mais comuns na época
do que hoje em dia. Ele possuía pernas atrofiadas, mas todos nós achávamos
incrível a força que tinha seus braços, a parte superior de seu corpo era só
músculo. Isso lhe dava certa vantagem nas brigas, pois gostava de beber
cachaça, ir para o cabaré, e ter romances com mulheres casadas de nossa rua.Sua
cadeira de rodas tinha um desses pedais de bicicleta soldado na frente na
altura das mãos de um maneira que ele
mesmo podesse movimentar a cadeira usando a força de seu braço. Ele gostava de
assuntar as crianças da rua com suas histórias, e nos acabávamos ouvindo,
porque nesse tempo não tinha poço
tubular no bairro, eu, meu irmão e outras crianças ajudávamos nossos pais
carregando água em baldes de um poço que ficava localizado em terreno baldio e
tínhamos que passar em frente da casa da “Veia Melha” ou Dona Amelha que era
mãe do Antonio, por isso a gente sempre acabava sendo abordado por ele, que
apesar de ser muito violento com outros adultos, sempre respeitou a gente,
nunca fez um gesto obsceno na frente das crianças, parece que so queria era se
divertir com o nosso medo infantil, e nos ouvíamos com um misto de admiração e
espanto.
O que mais
assombrou foi o episódio narrado por ele quando da volta do cabaré, sozinho, no
escuro, as ruas lamacentas do bairro carrasco castigadas pelo inverno, sem
energia elétrica no bairro, as lamparinas movidas a querosene nas casas de
família a muito tinham se apagado, e mais uma vez aquele pobre diabo tinha
bebido além da conta e tentava voltar pra casa sozinho, movimentando a catraca
de sua cadeira, mas o sono e a embriaguez estavam quase o vencendo, então ele
resolveu pedir ajuda.
___ Diabo me
ajude a chegar em casa ! Ninguem sabe se álcool ofereceu motivação suficiente pra
ele proferir aquela blasfêmia, mas agora não tinha mais jeito, sua voz ecoou
pela madrugada escura.
De repente
um negrinho surgiu por trás dele e disse
que iria ajudalo, e com uma gargalha estrondosa empurrou a cadeira de rodas do
Antonio Aleijado fazendo-o cair dentro da lama, as pernas atrofiadas se
debatendo como uma aranha caranguejeira virada pra cima. Apartir desse dia o
demônio passou a persegui-lo na volta para casa.
No ataque mais
perigoso quase ia sendo levado. Ele vinha do centro de Altos por uma rua que
dava acesso ao bairro leite e depois ao bairro carrasco, já estava próximo de
casa em um trecho que chamávamos de passagem molhada, pois um riacho cortava a
rua durante o inverno oferecendo uma considerável dificuldade pra quem passasse
a pé. Bem nesse ponto o diabo apareceu querendo arrastar o Antonio com cadeira
de roda e tudo pra dentro d’água, para uma parte mais funda que ficava no pé da
cerca de arame, dizendo que iria levá-lo para o inferno. Mas como sua casa
ficava próximo ele gritou e foi ouvido por sua mãe e dois sobrinhos que moravam
por ele, segundo Antonio ao ouvir barulho de gente se aproximando, o demônio se
transformou em uma cobra e desapareceu na
água escura do córrego.
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