VULTO NA PORTEIRA

O VULTO NA PORTEIRA

      Manuel agredia o quadril do podre animal com muita violência impondo um ritmo alucinante de trote e não ousava olhar para trás, para a beira do caminho, pois sabia que o vulto preto estaria la, não era fruto de sua imaginação. Ele tinha sido seguido desde o momento que encontrou o cavalo de seu pai na baixa e começou a voltar para casa. Já tava anoitecendo quando passou na frente do cemitério, passou abeirando a cerca sempre olhando em frente, mas as siluetas das catatumbas se desenhavam no canto do olho esquerdo como um mau agouro.

     Depois que ele deu as costas para aquele terreno "maldito" sentiu os pelos do seu corpo se arrepiarem, não ficou um fio de cabelo em pé, como diria seu pai, ficou com o cú que não cabia um cabelo de tanto medo, o cavalo começou uma respiração ofegante como se tivesse farejado um cheiro estranho no ar, Manuel sentiu falta de uma dose nesse momento, se arrependeu de não ter passado na vinda,na quitanda de "seu mãozinha" e de não ter tomado um quarteirão de São João da Barra.
     Quando o cavalo parava, a coisa parava também, quando a corrida era retomada, o vulto parecia ter capacidade de correr de igual pra igual, Manuel não conseguia deixá-lo para trás, em determinado momento olhou para trás e viu uma brincadeira macabra, o bicho estava chegando mais perto, mas parecia não fazer esforço na perseguição, ao contrario, assemelhando-se a uma bola peluda preta ficou quicando de um lado para outro da estrada, entrava e saia do mato.
     Cada vez mais perto, querendo alcançar o mocotó do cavalo e subir, o cavalo dava um coice e ganhava um pouco de distancia, mas logo o bicho recuperava e nada de Manuel avistar a porteira do terreno da casa do pai, ele lapiava os quarto do animal dos dois lados com o excesso da corda do cabresto que ia ficando cada vez mais esbaforido com as quilinas suadas, pingando suor!
     Mais uma olhada e.... Disgraça! Não era vulto, nem bola peluda, aquilo era uma porca, não uma porca comum, ele sabia e todos sabiam na redondeza, era a mulher que virava porca ! Ela vinha atrás dele, correndo em cima dos cotovelos com a cara retorcida para cima e roncando...
     Finalmente avistou a cerca de faxina e os paus da porteira que estava semi-aberta, mas antes de alcançá-la era preciso fazer uma curva na vareda, ele não quis nem saber e pra cortar caminho entrou foi com tudo no cipoal, o cavalo pulando a touceira de mancabira e levando as unhas de gato nos peito, e o animal não contou pipoca, pulou por cima da porteira fechada, levantando poeira quando atingiu o solo do outro lado. Manuel deu uma guinada no cabresto do cavalo, obrigando-o a fazer uma curva e ficar de frente pra porteira e ambos encararam a porca diante da porteira do lado de fora que devolvia um olhar bestial. Ele agradeceu ao cavalo acariciando seu pescoço com uma das mãos e se dirigiu pro curral deitado por cima do pescoço do animal como se estivesse ferido, mas aquilo era só cansaço e agradecimento, sentimento de gratidão unindo os dois.
     Depois que o cavalo bebeu na cocheira, Manuel o amarrou num mourão e entrou, seu casebre era todo de taipa, tanto o teto como as paredes.
___ Cadê o pai, mãe?
___ Foi pescar, toda sexta num é assim!
 ___ Eu fui seguido de novo!
___ Vala minha Nossa Senhora!
      Maria correu pro oratório acender uma vela pra nossa Senhora do Desterro. Todas as lamparinas da casa foram apagadas, somente no altar ficou uma chama acesa. Manuel correu pro quarto, abriu um buraco na palha na direção do cavalo, pra vigiá-lo, decidiu montar guarda a noite inteira, o único vestígio de luz no cômodo era o cigarro peronca no bico, uma silhueta vermelha, ofegante como sua respiração, ele desembainhou o facão e esperou. Lá fora o claro da lua iluminava todo o terreiro.
      De repente o que ele temia aconteceu, o bicho evitou a porteira, mas encontrou um buraco na cerca e passou, ia se aproximando do cavalo pouco a pouco como uma lesma gigante como que a evitar um coice, pois o cavalo sem poder fugir ficava cada vez mais agitado e se defendia com os pés em uma dança macabra de medo e pavor, Manuel se apulumou no buraco da parede com o facão na mão, o corpo todo aprumado em posição de luta, mas a cautela o fez esperar um pouco mais. Até que em uma das tentativas da porca de subir no cavalo, foi atingida por um coice tão potente que foi de encontro à parede da casa, Manuel por sua vez não perdeu tempo, cravou a lâmina no corpo peludo do bicho, que deu um berro de dor e fugiu pela cerca de faxina. Não conseguiram dormir naquela casa.
De manhã bem cedinho vieram bater na porta de esteira:
___ Maria, Maria, furaram teu marido na beira do rio, tão trazendo ele só arquejando dentro da rede!

      Quando finalmente deitaram o homem em uma esteira no chão da sala, Manuel se aproximou de facão na cintura, os olhares dos dois se encontraram, mas não parecia ser de pai e filho, e sim de rivais, o olhar de duas feras que mais cedo ou mais tarde, mas hoje ou, mas amanhã iriam se enfrentar.

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